sábado, 12 de maio de 2018

ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO


O terceiro e último filme da trilogia do Zé do Caixão só foi lançado em 2008, 40 anos depois do segundo. Mas por que essa demora? Quem conhece a história do cineasta José Mojica Marins sabe que ele passou por inúmeros problemas com a produção de Encarnação do Demônio, sem mencionar que a censura do governo militar o havia afetado a ponto de mudar drasticamente o final de Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver. E depois de muitos anos sem nenhum filme com o personagem, no século XXI veio a oportunidade de filmar a saga, e dessa vez Mojica contou com um orçamento generoso que o faria caprichar nos efeitos especiais. E mesmo assim, a produção de Encarnação do Demônio sofreu diversos problemas, a principal delas foi a morte do ator Jece Valadão em 2006 que obrigou os roteiristas a mudar muita coisa na história. Mas, deu certo e finalmente o terceiro filme do Zé do Caixão foi lançado.

Apesar de poucos conhecerem e principalmente apreciarem a obra do Mojica, as expectativas dos fãs para o filme sem dúvida eram grandes. Primeiro, os filmes anteriores À Meia Noite Levarei Sua Alma e Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver foram ótimos, apesar das limitações da produção e do baixo orçamento; segundo, como já mencionado, Encarnação do Demônio teve um orçamento alto; e terceiro, o elenco escolhido por Mojica é de peso, entre eles além do já mencionado Jece Valadão, temos a presença de Milhem Cortaz, Adriano Stuart, Rui Resende, Débora Muniz e Cristina Aché. Mas, será que Encarnação do Demônio supera os seus antecessores? Minha resposta curta e direta é: NÃO!


Pareci ser franco na resposta? Bem, eu não nego que sou fã do trabalho do Mojica, e gosto muito do personagem Zé do Caixão. Mas, sendo justo em minha análise, Encarnação do Demônio, apesar de trazer boa qualidade das cenas, inclusive algumas delas são bem realistas, o filme peca muito no roteiro, que é sem sombra de dúvidas o maior problema dele. Claro que isso se deve as inúmeras alterações que o mesmo sofreu por conta de problemas tais como os já mencionados aqui. Mas, é nítido e claro detectar vários tropeços, alguns deles são gritantes a ponto de fazer você ficar desanimado com o filme. Felizmente eu consegui assistir ao filme de boa, e ele tem sim os seus méritos e não posso falar unicamente dos defeitos.

A história de Encarnação do Demônio se passa 40 anos depois dos acontecimentos de Esta Noite, onde Zé do Caixão é libertado de uma penitenciária que ele havia ficado preso todos esses anos. E nesse contexto, há uma coisa que faz valer a pena assistir ao filme, que é a mudança do final do segundo filme imposta pela censura da época. Finalmente ela é corrigida! Em um flashback, mostra que Zé do Caixão saía do pântano, mata o padre, fura os olhos de um policial e depois é preso. Apesar dessa cena conter uma incoerência, digamos assim, da qual falarei mais adiante, a correção daquela cena ridícula imposta pelos censores foi sensacional!

Após sair da penitenciária, Zé do Caixão se vê em um mundo completamente diferente de antes, onde a violência havia atingido a um patamar nunca visto em sua época. E mesmo depois de muitos anos, o coveiro ainda não desistiu de sua meta, que é encontrar a mulher superior capaz de gerar um filho perfeito. E Zé não está sozinho para isso, além do corcunda Bruno, o seu fiel criado, ele conta com a ajuda de quatro asseclas que farão de tudo para ajudá-lo. Falando nesses seguidores, não sabemos nada sobre eles, nem mesmo o próprio Zé do Caixão. O filme peca em não desenvolver nenhum, assim como a maioria dos personagens. O que podemos sugerir é que Bruno andou pregando a filosofia de seu mestre durante esses anos todos, e conseguiu quatro seguidores, só pode ter sido isso. Enfim, o local onde o coveiro irá morar fica em um porão de uma favela (não conheço favela que tenha porão, mas tudo bem), e os moradores de lá começam a temer aquele homem vestido de preto, supersticiosos como sempre. Mas, o medo deles não é como foi visto nos outros filmes, aqui eles chegam a encarar o velhote, veja só como os tempos mudam...


Outros personagens importantes no filme e os principais inimigos de Zé, são o padre Eugênio (Milhem Cortaz), que é o filho do doutor Rodolfo morto por Zé em À Meia Noite Levarei Sua Alma e que ao saber que o assassino de seu pai estava vivo, o sacerdote passa a ansiar sua vingança. Tem também a dupla de policiais, o Coronel Claudiomiro Pontes (Jece Valadão), o policial que o coveiro havia furado o olho no flashback mencionado e o irmão dele, o Capitão Osvaldo Pontes (Adriano Stuart), odiado por matar crianças na favela e que Zé do Caixão havia ferido seu pescoço no inicio do filme. Então, temos aqui uma dose tripla que quer o couro do Coffin Joe (Zé do Caixão em inglês), e a narrativa do filme irá se seguir na caçada ao velho por esses três. E enquanto não é encontrado, o coveiro e seus asseclas deixam um rastro de sangue por onde passam, torturando e matando quem se opõe ao seu objetivo.

Falando nas torturas do filme, a produção caprichou mesmo! Mojica deu uma verdadeira aula de como fazer terror! Algumas cenas podem ser fortes demais para algumas pessoas, no meu caso só teve uma que me arrepiei: a cena da ratazana. Não vou dizer o que acontece ali, mas quem já viu o filme sabe do que eu estou falando. Outras cenas são na verdade reais, como uma boca costurada e a um corpo suspenso por ganchos cravados nas costas. Sem dúvida os fãs desse tipo de filme devem ter delirado em algumas sequências. Agora uma coisa que me chamou à atenção são os fantasmas das vítimas de Zé, que o aterrorizam a todo o momento. São bem assustadoras pra falar a verdade, e dignas de um filme de terror, e ainda mais brasileiro, e claro nos dando orgulho.


Agora vamos falar dos furos de roteiro que infelizmente comprometeram a produção. Na cena do flashback onde corrige a última cena de Esta Noite, ali Zé do Caixão estava cercado de policiais e pessoas revoltadas querendo mata-lo, mas no momento em que ele mata o padre com a cruz e fura os olhos do policial (que é o Claudiomiro Pontes) ninguém intervém, cadê aquela raiva toda das pessoas? Foi pro “beleléu”? Outra situação: quando alguns policiais são torturados no “porão da favela”, o que eu acho engraçado é que ninguém ouve os gritos, e era fácil para os irmãos policiais acharem o esconderijo do coveiro, mas para isso eles pedem ajuda dos moradores, ah vá... Outra: em um determinado momento do filme, os asseclas vão sequestrar uma série de garotas para o coveiro, e uma delas é pega dançando em uma festa lotada, e parece que ela foi raptada no meio de todos sem ninguém notar. Mais uma: Zé do Caixão procura uma mulher perfeita, livre de superstições e crendices, assim como ele aceitou Laura em Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver. O que eu não entendo é como as duas garotas que o seguem no filme não servem como a mulher perfeita, por que se notamos, dos quatro seguidores do Zé, duas são belas jovens, livres de crendices e superstições, e ainda compartilham da mesma filosofia do coveiro. De fato, o roteiro forçou muito a barra.

Além desses furos, há outros aspectos que incomodam, como a imensa quantidade de personagens em que a maioria não tem nenhum desenvolvimento, o fato das mulheres do filme se lançarem para Zé do Caixão assim muito fácil, tem uma lá que se oferece para ele na maior cara-de-pau. E também incomoda muito a imagem que o filme traz sobre a polícia, claro que há policiais ruins e corruptos, mas a forma em que eles são retratados no filme é um tanto tendenciosa. Também não posso deixar de mencionar a atuação do Mojica, que é nitidamente forçada, e em algumas cenas soam ridículo, infelizmente.

No geral, Encarnação do Demônio é um bom filme, apesar de seus erros do roteiro. Vale muito a pena acompanhar o desfecho dessa trilogia, que é muito admirada por estrangeiros. No entanto, na minha opinião, é o filme mais fraco do personagem. Por outro lado, é realmente uma pena que o Brasil não valorize o trabalho do Mojica como também o gênero, fiquei sabendo que esse filme foi um fracasso de bilheteria aqui no nosso país. Mas para quem curte filmes pesados deve dar uma chance a esse filme, e claro para quem se interessa em conhecer as obras de José Mojica Marins, Encarnação do Demônio assim como os demais da trilogia não podem fica de fora. 

NOTA: 6,2/10

Veja o trailer no vídeo abaixo:

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