Imagine um filme com baixo orçamento, sem muitos recursos
e falta de atores profissionais, parece que nada irá salvar uma produção assim,
entretanto, se o filme em questão abordar uma história original, bem feita e
cheia de criatividade e talento? A situação muda completamente, e é dessa forma
que enxergo o clássico do terror nacional À
Meia-Noite Levarei Sua Alma, dirigido e protagonizado por José Mojica
Marins. Lançado em 1964, foi este filme que lançou para as telas do cinema o
ícone do terror brasileiro, admirado por fãs, principalmente no exterior que o
considera como cult, estamos falando
de Zé do Caixão, que possui algumas características que nos faz lembrar do Drácula, por usar capa preta, e Nosferatu pelas longas unhas, mas ao contrário destes, o coveiro não é vampiro e nem é uma criatura sobrenatural.
Como dito, À Meia-Noite Levarei Sua Alma foi produzido com um orçamento muito pequeno, e é
composto por atores amadores, exceto o próprio Mojica e a atriz Eucharis
Morais. É um clássico dos filmes trash, e
mesmo com a má qualidade em diversas cenas, é um filme que merece ser visto,
tanto pelos fãs de Mojica, como para quem aprecia o terror. É compreensível que
com o tempo, o filme foi envelhecendo, mas de modo algum tira o mérito
conquistado na época, o reconhecimento de José Mojica pelo público e pela
crítica se deu através dessa obra, que se sucedeu em duas sequências: Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver (1967) e Encarnação do Demônio (2008). À Meia-Noite é o primeiro filme do Zé do Caixão, que contém uma história simples,
porém, bastante original.
Sinopse: O cruel e sádico coveiro Josefel Zanatas, conhecido como
Zé do Caixão, é temido e odiado pelos moradores de uma cidadezinha do interior.
Ele é obcecado para gerar um filho perfeito, que possa dar-lhe a continuidade
de seu sangue. Mas sua esposa não pode engravidar, e ele acredita que a
namorada de seu amigo seja a mulher ideal que procura. Após ser violentada por
Zé, a moça jura cometer suicídio para retornar dos mortos e levar a alma
daquele que a desgraçou.
Para entender a história que se passa no filme, é
necessário compreender a filosofia do Zé do Caixão. Antes mesmo dos créditos
iniciais, o filme começa com uma cena que por sinal é muito famosa, onde Zé do
Caixão faz um discurso sobre a vida. De maneira mais simples, vou tentar
explicar: o coveiro é um ateu convicto, um homem que não crê em Deus e nem no
Diabo, também descarta a possibilidade de haver vida após a morte. Para ele,
apenas o sangue pode gerar uma linhagem eterna, e não estou falando aqui de que
o sangue de uma pessoa possa ser imortal. Para Zé do Caixão, o seu sangue será
imortalizado através de seus descendentes, e é por isso que ele tem essa
obsessão para gerar um filho.
Zé do Caixão também acredita ser superior as outras
pessoas, principalmente daquelas supersticiosas que acreditam em algo sobrenatural,
temem espíritos ou algo parecido, e é por isso que ele anseia também por uma
mulher ideal, que seja tão superior quanto ele. Essa filosofia pode incomodar
aqueles que possuem uma fé cega, e por isso acredito que os filmes do Zé do
Caixão aterroriza principalmente as pessoas que creem em vida após a morte.
Por outro lado, o maldito coveiro zomba das pessoas por
causa da fé que elas têm. Por exemplo, no filme há diversas cenas em que
situações assim ocorrem, mas citando uma delas em que Zé do Caixão come carne
na sexta-feira santa ignorando o costume local motivado por crenças religiosas,
ao mesmo tempo em que zomba das pessoas em uma procissão que passava na rua.
Portanto, o personagem é firme das suas convicções, e ao mesmo tempo é um
típico fundamentalista, que acredita que só ele está certo, e ainda faz questão
de fazer chacota com a fé alheia.
Bom, o conteúdo de À
Meia-Noite é simples, pode parecer uma produção boba, mas consegue causar
uma boa impressão e é digno de nota que na época, em que no cinema brasileiro
era novidade um filme do gênero, foi um tremendo estouro. Os gringos admiram o
personagem mais do que os próprios brasileiros, e isso se dá por conta do
preconceito que muitos brasileiros têm para com o personagem e o diretor, que
inclusive passou por muitas dificuldades ao longo da carreira.
Os filmes com o personagem Zé do Caixão abusam muito do
sadismo, tortura, aparições sobrenaturais e feitiçaria. Com essas misturas,
podemos claramente perceber o talento de Mojica para o terror. Simplesmente
fascinante, neste filme, por exemplo, mostra todos esses aspectos mencionados,
mas com um grau de simplicidade, sem abusar muito, já que o orçamento não iria
permitir ir mais além. Mitos e superstições são o que não falta no filme, como
o medo de andar no cemitério à noite, roupa preta entre outras coisas pelo qual
Zé do Caixão parece se divertir a custa do medo que as pessoas nutrem para
certas ocasiões e situações.
Mojica também conseguiu provar através desse filme, que
para produzir uma boa obra, não necessariamente precisa de muito dinheiro ou
grandes efeitos especiais. Basta ter uma ideia em mente e criatividade para
executá-la. Com isso, o filme À Meia-Noite Levarei Sua Alma merece seus méritos e principalmente o
reconhecimento. E por se tratar de um clássico do cinema brasileiro, é mais um
motivo para conferir caso ainda não tenha visto, aliás, todo o trabalho de José
Mojica merece seu espaço e admiração, tanto pela criatividade quanto pela
imensa ousadia que possui em suas obras. De fato, Mojica é um ícone do nosso
cinema, quem negar isso, não passa de um preconceituoso.
NOTA: 8/10
Veja o trailer no vídeo abaixo:
A filmografia de José Mojica Marins é sensacional.
ResponderExcluirLevando em conta a época em que ele fez os filmes e a falta de recursos, sua criatividade merece aplausos.
Ele explorou um gênero que não existia no Brasil, ou melhor, que ainda hoje praticamente não existe por aqui.
Este que você comentou eu considero seu melhor filme.
Abraço
Pois é Hugo, o Mojica é o pioneiro do terror nacional, seu trabalho deve ser reconhecido por todo cinéfilo, deixando quaisquer preconceito que tenha em relação ao cinema brasileiro.
ExcluirSobre o melhor filme do Zé do Caixão, eu acho o segundo "Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver".
Um abraço e obrigado pela visita!