O terceiro e último filme da trilogia do Zé do Caixão só foi lançado em
2008, 40 anos depois do segundo. Mas por que essa demora? Quem conhece a
história do cineasta José Mojica Marins sabe que ele passou por inúmeros
problemas com a produção de Encarnação do
Demônio, sem mencionar que a censura do governo militar o havia afetado a
ponto de mudar drasticamente o final de Esta
Noite Encarnarei no Teu Cadáver. E depois de muitos anos sem nenhum filme
com o personagem, no século XXI veio a oportunidade de filmar a saga, e dessa
vez Mojica contou com um orçamento generoso que o faria caprichar nos efeitos
especiais. E mesmo assim, a produção de Encarnação
do Demônio sofreu diversos problemas, a principal delas foi a morte do ator
Jece Valadão em 2006 que obrigou os roteiristas a mudar muita coisa na
história. Mas, deu certo e finalmente o terceiro filme do Zé do Caixão foi
lançado.
Apesar de poucos conhecerem e principalmente apreciarem a obra do Mojica,
as expectativas dos fãs para o filme sem dúvida eram grandes. Primeiro, os
filmes anteriores À Meia Noite Levarei Sua Alma e Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver foram ótimos, apesar das limitações da produção e do baixo
orçamento; segundo, como já mencionado, Encarnação
do Demônio teve um orçamento alto; e terceiro, o elenco escolhido por
Mojica é de peso, entre eles além do já mencionado Jece Valadão, temos a presença de Milhem Cortaz,
Adriano Stuart, Rui Resende, Débora Muniz e Cristina Aché. Mas, será que Encarnação do Demônio supera os seus
antecessores? Minha resposta curta e direta é: NÃO!
Pareci ser franco na resposta? Bem, eu não nego que sou fã do trabalho do
Mojica, e gosto muito do personagem Zé do Caixão. Mas, sendo justo em minha
análise, Encarnação do Demônio, apesar
de trazer boa qualidade das cenas, inclusive algumas delas são bem realistas, o filme peca
muito no roteiro, que é sem sombra de dúvidas o maior problema dele. Claro que
isso se deve as inúmeras alterações que o mesmo sofreu por conta de problemas tais
como os já mencionados aqui. Mas, é nítido e claro detectar vários tropeços,
alguns deles são gritantes a ponto de fazer você ficar desanimado com o filme. Felizmente eu consegui assistir ao filme de boa, e ele tem sim os
seus méritos e não posso falar unicamente dos defeitos.
A história de Encarnação do
Demônio se passa 40 anos depois dos acontecimentos de Esta Noite, onde Zé do Caixão é libertado de uma penitenciária que
ele havia ficado preso todos esses anos. E nesse contexto, há uma coisa que faz
valer a pena assistir ao filme, que é a mudança do final do segundo filme
imposta pela censura da época. Finalmente ela é corrigida! Em um flashback, mostra que Zé do Caixão saía do pântano, mata o padre, fura os olhos de um
policial e depois é preso. Apesar dessa cena conter uma incoerência, digamos
assim, da qual falarei mais adiante, a correção daquela cena ridícula imposta
pelos censores foi sensacional!
Após sair da penitenciária, Zé do Caixão se vê em um mundo completamente diferente de antes, onde a
violência havia atingido a um patamar nunca visto em sua época. E mesmo depois
de muitos anos, o coveiro ainda não desistiu de sua meta, que é encontrar a
mulher superior capaz de gerar um filho perfeito. E Zé não está sozinho para
isso, além do corcunda Bruno, o seu fiel criado, ele conta com a ajuda de
quatro asseclas que farão de tudo para ajudá-lo. Falando nesses seguidores, não
sabemos nada sobre eles, nem mesmo o próprio Zé do Caixão. O filme peca em não desenvolver nenhum, assim como a
maioria dos personagens. O que podemos sugerir é que Bruno andou pregando a
filosofia de seu mestre durante esses anos todos, e conseguiu quatro
seguidores, só pode ter sido isso. Enfim, o local onde o coveiro irá morar fica
em um porão de uma favela (não conheço favela que tenha porão, mas tudo bem), e
os moradores de lá começam a temer aquele homem vestido de preto, supersticiosos
como sempre. Mas, o medo deles não é como foi visto nos outros filmes, aqui
eles chegam a encarar o velhote, veja só como os tempos mudam...
Outros personagens importantes no filme e os principais inimigos de Zé, são
o padre Eugênio (Milhem Cortaz), que é o filho do doutor Rodolfo morto por Zé
em À Meia Noite Levarei Sua Alma e
que ao saber que o assassino de seu pai estava vivo, o sacerdote passa a ansiar sua
vingança. Tem também a dupla de policiais, o Coronel Claudiomiro Pontes (Jece
Valadão), o policial que o coveiro havia furado o olho no flashback mencionado
e o irmão dele, o Capitão Osvaldo Pontes (Adriano Stuart), odiado por matar
crianças na favela e que Zé do Caixão havia ferido seu pescoço no inicio do
filme. Então, temos aqui uma dose tripla que quer o couro do Coffin Joe (Zé do
Caixão em inglês), e a narrativa do filme irá se seguir na caçada ao velho por
esses três. E enquanto não é encontrado, o coveiro e seus asseclas deixam um
rastro de sangue por onde passam, torturando e matando quem se opõe ao seu
objetivo.
Falando nas torturas do filme, a produção caprichou mesmo! Mojica deu
uma verdadeira aula de como fazer terror! Algumas cenas podem ser fortes demais
para algumas pessoas, no meu caso só teve uma que me arrepiei: a cena da
ratazana. Não vou dizer o que acontece ali, mas quem já viu o filme sabe do que
eu estou falando. Outras cenas são na verdade reais, como uma boca costurada e
a um corpo suspenso por ganchos cravados nas costas. Sem dúvida os fãs desse tipo de filme devem ter delirado em
algumas sequências. Agora uma coisa que me chamou à atenção são os fantasmas
das vítimas de Zé, que o aterrorizam a todo o momento. São bem assustadoras pra
falar a verdade, e dignas de um filme de terror, e ainda mais brasileiro, e
claro nos dando orgulho.
Agora vamos falar dos furos de roteiro que infelizmente comprometeram a
produção. Na cena do flashback onde corrige a última cena de Esta Noite, ali Zé do Caixão estava
cercado de policiais e pessoas revoltadas querendo mata-lo, mas no momento em
que ele mata o padre com a cruz e fura os olhos do policial (que é o
Claudiomiro Pontes) ninguém intervém, cadê aquela raiva toda das pessoas? Foi pro
“beleléu”? Outra situação: quando alguns policiais são torturados no “porão da
favela”, o que eu acho engraçado é que ninguém ouve os gritos, e era fácil para os
irmãos policiais acharem o esconderijo do coveiro, mas para isso eles pedem
ajuda dos moradores, ah vá... Outra: em um determinado momento do filme, os
asseclas vão sequestrar uma série de garotas para o coveiro, e uma delas é pega
dançando em uma festa lotada, e parece que ela foi raptada no meio de todos sem
ninguém notar. Mais uma: Zé do Caixão procura uma mulher perfeita, livre de superstições e crendices, assim como ele aceitou Laura em Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver. O que eu não entendo é como as duas garotas que o seguem no filme não servem como a mulher perfeita, por que se notamos, dos quatro seguidores do Zé, duas são belas jovens, livres de crendices e superstições, e ainda compartilham da mesma filosofia do coveiro. De fato, o roteiro forçou muito a barra.
Além desses furos, há outros aspectos que incomodam, como a imensa
quantidade de personagens em que a maioria não tem nenhum desenvolvimento, o
fato das mulheres do filme se lançarem para Zé do Caixão assim muito fácil, tem
uma lá que se oferece para ele na maior cara-de-pau. E também incomoda muito a
imagem que o filme traz sobre a polícia, claro que há policiais ruins e
corruptos, mas a forma em que eles são retratados no filme é um tanto tendenciosa. Também não posso deixar de mencionar a atuação do Mojica, que é nitidamente forçada, e em algumas cenas soam ridículo,
infelizmente.
No geral, Encarnação do Demônio é
um bom filme, apesar de seus erros do roteiro. Vale muito a pena acompanhar o
desfecho dessa trilogia, que é muito admirada por estrangeiros. No entanto, na minha opinião, é o filme mais fraco do personagem. Por outro lado, é realmente uma pena que o
Brasil não valorize o trabalho do Mojica como também o gênero, fiquei sabendo que esse filme foi um fracasso de bilheteria aqui no nosso país. Mas para quem
curte filmes pesados deve dar uma chance a esse filme, e claro para quem se
interessa em conhecer as obras de José Mojica Marins, Encarnação do Demônio assim como os demais da trilogia não podem
fica de fora.
NOTA: 6,2/10
Veja o trailer no vídeo abaixo:
Nenhum comentário:
Postar um comentário