A narrativa acompanha Elisabeth Sparkle, uma apresentadora de televisão em declínio profissional, descartada pela indústria por não corresponder mais aos padrões de beleza exigidos. É nesse cenário de rejeição e invisibilidade que surge a misteriosa “substância”, uma promessa científica de renovação física absoluta. O que começa como uma solução tentadora rapidamente se transforma em um processo violento, perturbador e moralmente corrosivo.
O grande mérito do filme está na forma como transforma um conflito social em experiência sensorial. O horror não se limita ao grotesco visual — embora ele seja intenso —, mas se manifesta também na pressão psicológica, na perda de identidade e na fragmentação do “eu”. O corpo deixa de ser morada e passa a ser objeto, produto, mercadoria. Cada transformação carrega um custo, e o filme não poupa o espectador de encarar esse preço.
Demi Moore entrega uma atuação corajosa e simbólica, que dialoga com sua própria trajetória na indústria cinematográfica. Sua presença em cena carrega camadas de leitura que extrapolam a ficção, tornando o filme ainda mais incisivo. Margaret Qualley, por sua vez, representa a versão idealizada da juventude, quase desumanizada, reforçando o contraste entre desejo social e realidade existencial.
Visualmente, A Substância aposta em exageros deliberados: cores saturadas, enquadramentos claustrofóbicos e efeitos corporais extremos. Essa estética intensificada pode afastar parte do público, mas é justamente ela que sustenta o discurso do filme. O exagero funciona como espelho distorcido de uma sociedade que já opera, por si só, em níveis extremos de cobrança estética.
Em termos narrativos, o filme não busca sutileza nem conforto. Sua progressão é direta, incômoda e, por vezes, brutal. Algumas escolhas podem parecer excessivas ou repetitivas, mas servem para reforçar a ideia de ciclo: a busca incessante pela perfeição nunca se encerra, apenas se aprofunda.
A Substância não é um filme fácil, nem pretende ser. Trata-se de uma obra que exige disposição para o desconforto e abertura para a reflexão. Mais do que um horror corporal, é um retrato cruel da lógica de consumo aplicada ao corpo humano. Ao final, o espectador não sai ileso — e talvez essa seja a maior prova da força do filme.
NOTA: 8,5/10




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